Até semana passada você precisava de uma televisão de 50 polegadas na sala, afinal seu vizinho também tem uma.
Hoje você está enjoado de tanto assistir televisão e até vislumbra a possibilidade de ler um livro.
Até semana passada você precisava daquele celular de última geração, com inúmeras funções. Afinal, como não atender ao apelo da propaganda dos Smartfones que prometem a felicidade na ponta dos dedos?
Hoje você está deixando o whatsApp um pouco de lado porque dele só estão chegando notícias ruins.
Até semana passada você estava certo(a) de que precisava trocar de carro a cada ano ou a cada dois anos, afinal, um carro novo era sinal status e uma promessa de felicidade. Você era viciada(o) no cheiro de carro novo.
Hoje seu carro novo está na garagem, parado, sem função e aposto que você não desceu à garagem só para ficar admirando seu desejo de consumo.
Até semana passada você não imaginava como seria sua vida sem que pudesse ir ao Shopping e se arrebentar de comprar novas roupas, afinal, pessoa importante como você supunha ser, não poderia repetir o figurino.
Hoje, o shopping parece uma lembrança distante. E você está há dias em casa, talvez usando a mesma roupa velha, amarrotada, e confortável.
Até semana passada você não pensava nos amigos de infância, nos amigos da faculdade, nos amigos da igreja, nos amigos do passado longe e nem tão longe.
Hoje você está surpreso(a) que tanto você quanto as pessoas do passado estão se procurando. E, incrível, no meio disso tudo, esses reencontros tem sido uma ilha de bons momentos no meio de universo distópico que estamos vivendo. Distopia refere-se ao um estado em que se vive sob condições de opressão, desespero ou privação.
Nesses dias, todos os nossos bens, comprados na lojas de eletrônicos, nas concessionárias, nos shoppings, etc, não foram capazes de apaziguar a angústia que estamos vivendo.
Será que estávamos nos enganando? Será que, então, essa parafernália imensa de objetos de consumo que vinhamos acumulando, na verdade não traziam a tal felicidade?
Se trouxessem, talvez estivéssemos felizes em casa com eles.
Mas estamos buscando contato. Estamos buscando falas. Estamos buscando quem possa nos ouvir porque precisamos falar. Sem falar não aguentamos nossa condição e os momentos difíceis pelos quais passamos.
Os objetos nos dão a falsa ilusão de felicidade e completude. Ok, sim, precisamos deles e até podemos fazer coisas legais com alguns deles. Mas será que nas últimas décadas nós não colocamos os objetos na frente das relações entre as pessoas.
Essa situação de convivência forçada tem mostrado o quão nos tornamos incompetentes para nos relacionarmos.
Antigas mágoas reaparecem.
Triste saber hoje que com a convivência forçada aumentou o índice de violência doméstica.
Sabemos lidar melhor com os objetos do que uns com os outros.
Até semana passada você não vivia sem se alimentar de visualizações em suas redes sociais e de alimentar as redes sociais dos outros com a mesmas curtidas, em geral, sabendo muito pouco o que de fato há por trás daquelas imagens. Imagens escondem angústias, vazios…
Hoje não há belas paisagens a postar, não há lugares para ir e se exibir nas redes. Mas você tem sentido falta de conteúdo. De conversa, de estar junto. O mundo virtual te dava uma falsa impressão de que você existia para o outro e de que o outro existia para você.
Para não me estender muito, (afinal quem aguenta um “textão” hoje em dia?), vou terminar perguntando outra vez: Do que você precisa para viver?
Hoje uma conversa compreensiva e apaziguadora parece valer mais do que aquela peça de roupa cara.
Uma conversa que relembre histórias vale mais do que aquela “tecla” inútil pela qual você pagou uma fortuna a mais ao comprar seu celular.
Hoje, na solidão imposta por um vírus, você busca avidamente por contato, e os tantos objetos acumulados não servem para dissipar sua solidão.
Esses tantos objetos que para serem fabricados, para a sua ‘felicidade’, esgotam a capacidade do Planeta.
E depois que a pandemia passar? A pergunta continuará valendo:
Do que você precisará para viver?
Célio Pinheiro é Psicanalista e Antropólogo. Experiência clínica em consultório psicanalítico. Trabalhos com Grupos e equipes profissionais. Atuação nas seguintes áreas temáticas: Psicanálise, Antropologia da saúde, Saúde Coletiva, Saúde Mental, estudos sobre adoecimento psíquico. Trabalhos preventivos e de combate à depressão, melancolia, suicídio e respectivos projetos de prevenção. Ministra cursos de formação em Psicanálise e cursos de extensão em Universidades. Participa de Projetos de Saúde Preventiva e Saúde Mental. Coordenador do projeto Cinema e Psicanálise.
excelente!